sábado, outubro 13, 2012

Se a lucidez fosse cura não doeria o tempo inteiro e vender-se-ia na farmácia

Os espelhos estão quebrados e nos cacos ainda se vêm reflexos. Nas paredes talhadas de carcteres antigos ainda se vêm marcas do passado e umas quantas sombras presentes. Os móveis rossados que nunca mudam de lugar são feitos de compartimentos, divisórias e prateleiras que os mantém minimamente atrativos. No começo já foram de um lustro que brilhava naquele interior, hoje são só pedaços gastos de um material que já não se produz mais. Teria uma certa graça se estivesse a falar de museus, mas não. E não estou com a menor vontade de me rir, não forces, não tentes provocar algo que só vai sair em estado líquido. Eu cansei, me cansei – e não me digas que é só mais um estado depressivo qualquer, tu, que tão pouco entendes de psicologia quem dirá de sentimento – mas eu cansei, de tudo, de mim. Sempre tenho que engolir sem resmungar, abrir a boca com cautela policiando e escolhendo cada palavra, já os outros não – podem inclusive usar de eufemismos para me atingir que tudo vai soar com uma certa piada – mas chega! Basta! Eu não quero falar de ninguém, citar nomes tão pouco, na verdade, eu só queria não sentir, isso mesmo, não sentir. Por-que-raios eu tenho que olhar e fingir que não vejo, sentir dor e disfarçar, conter-me se os outros têm a liberdade e o direito de extravasar como querem e bem entendem?! Estou a sufocar com tantas perguntas praticamente retóricas, com tantas questões que tenho guardadas, caladas, pois dar-lhes voz seria desastroso. Perco o raciocínio. Chove tanto. Tenho ouvido tanta coisa, sentido uma porção maior ainda e recebido – bom – recebido uma parte pequena, menor. E os meus olhos, dizem tudo, entregam-me, até no escuro e ainda assim são poucos ou nenhuns os que conseguem ler, ainda que subestimem conhecer-me bem, mas não, nada. Respiro fundo como se o ar tivesse o poder curativo de um bálsamo. Mas nada acalma ou reduz, só me aprisiona como a areia movediça, nesses jogos clandestinos que as pessoas teimam em participar. Não reluz. Não combina. Só mais um pouco de dolências. Perco as forças e largo tudo, viro as costas ao mundo, e pelo menos por breves segundos, aquele momento é só meu, só meu e das minhas efémeras, inatas ou constantes gotas salgadas saídas de dentro das minhas jaboticabas. – Pensei num jeito, num sentido ou num nome até que fizesse par às minhas palavras e angústias, mas nada serviu, nada coube. Ainda que não entendam, também não procuro colos compreensivos, não mais. Apenas verto-me sobre as letras derramadas. E quem foi que disse que não existe sanidade na loucura, ou vice-versa.

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